sábado, 1 de setembro de 2012

Noites claras, incoerências coerentes

...e eis que a noite surge novamente, linda, intrigante, sensual. Da janela da sua sala ela consegue observar a dança enigmática das nuvens e a lua, que parece observá-la de longe. Quanto tempo não a via assim, tão bela, tão clara no contraste da noite. "São dias difíceis esses", pensa ela, enquanto pega a taça de vinho safra ruim e acende um cigarro, daqueles que se compram quando a preferência acaba.
Preferência.....preferência...um dia ela também já foi a preferida da alguém, a necessária, a insubstituível...
O ser humano tem mesmo essa coisa de se sentir insubstituível....aquele sentimento de posse, que nos rasga por inteiro, que toma nosso tempo, tardes e noites pensando: "por que ela não me ama mais? por que ele me esqueceu aqui? por que não me ligou ainda?" Substituímos contas no banco, senhas da internet, cachorros que se vão, gatos que somem....mas não temos a capacidade de ver "além da espinha na ponta do nosso próprio nariz."
"Ser substituível pode ser interessante", pensa ela, "afinal, quando não deixamos o velho, o novo não tem espaço para caber....e não abrimos portas, janelas, portões...e não nos distraímos, como diz a música..." De repente, o celular toca e ela, num ímpeto surreal, atende a chamada. Não era ninguém. Ninguém que ela permitisse ter saído de dentro da porta trancada às sete chaves dentro do seu coração.  Ninguém que fizesse suas pernas tremer como no passado. E o passado ainda está lá. 
O novo? Fica para os filósofos. Esses sim sabem defender o novo e definir a noite como ninguém.

(Noites claras, incoerências coerentes - Andréa Moreti.)